Obrigado Game Pass: A derradeira análise a “Doom Eternal”

Cheguei ao lugar demoníaco. Hordas numerosas rodeiam-me. Recarrego a Super Shotgun. Nem olho para o contador de balas; fui atingido sem perceber bem de onde. Desloco-me para uma plataforma. Estou a salvo, mas nem por isso. Inimigos aéreos invadem o meu espaço pessoal. Utilizo o modo alternativo da Combat Shotgun para uma eliminação rápida. Dois Imps aproximam-se. Despoleto a minha fúria com a Chaingun. Chovem balas por todos os cantos. Depressa terminam. Não me dei conta desse facto. Não faz mal, tenho a Chainsaw. Divido um demónio ao meio e imensos objetos colecionáveis nascem das suas entranhas. Não faz sentido, mas executo uma esquiva rápida para a esquerda, outra para a direita. Estou a viver no limite. Estes monstros são incessantes, mas eu também. Arremesso uma granada em direção a um grupo e rapidamente sou atingido por trás. A ação é frenética e eu? Inexorável.

Cansado e desnorteado com o parágrafo anterior, leitor? É de propósito. Doom Eternal é infindável com o seu circo de carnificina. A sua jogabilidade traduz-se numa dança macabra entre anjos e demónios e o único senão dessa figura de estilo? A falta de bons anjos (no entanto os da década final de noventa são porreiros). Neste título – sequela extraordinária e carta de amor aos títulos do passado – tu és tão demoníaco como os teus adversários. Sob distribuição insensata de recursos escassos tu praticas a tua religião; és o teu próprio Deus. Justiça e vingança são mais que meras crenças partilhadas pelas tuas armas, redenção a tua luz ao fundo do túnel. Mas o túnel não termina e os teus inimigos também não.

Fora de brincadeiras: Doom Eternal é um deleite. Um buffet composto por vários pratos principais seguidos, à boa moda da gastronomia portuguesa, para os mais esfomeados. Nem perde tempo a preocupar-se com entradas, bebidas ou até sobremesas. Se fosse aplicar termos mais científicos perdia a decência e, claramente, identificaria tudo como uma explosão de testosterona. Mas a raiva que impulsiona o carregar de cada gatilho é muito mais do que isso; é refinado e deslumbrante. Na verdade, leitor, podes achar que estou meramente a deambular por esta análise, mas não poderias estar mais longe da verdade. Toda esta adjetivação e conjugação pouco peculiar foi uma descrição do meu sentimento ao jogar Doom Eternal do início até ao fim.

A verdade é esta: independentemente do gosto pessoal de cada um, e uma ou outra opinião objetiva face a elementos específicos, como por exemplo a banda-sonora ou a capacidade gráfica e artística, os amantes de first-person shooters têm muito por onde petiscar aqui. Esta sequela melhorou, inclusive, uma das minhas queixas iniciais com a anterior iteração, o Doom de 2016; um título que apostou imenso na fórmula que apelido “limpar a casa”: limpas o quarto, avanças até à casa-de-banho. Limpas a casa-de-banho, avanças até à cozinha, e por aí adiante. A sequela Eternamente prometida para quatro anos depois trouxe consigo um melhorar dessa fórmula; como a receita de bolo de bolacha que aprendemos sozinhos, mas posteriormente alguém na Internet reinventou de uma forma melhor.

A exploração entre arenas de combate foi um dos pontos (e não o único!) a ser colmatado pela super talentosa equipa da id Software. Entre várias travessias são imensos os segredos por descobrir, pequenos mimos e frequentemente melhorias ao nosso armamento, que colocam a experiência sempre num ponto alto de diversão sem necessitar do constante ballet infernal num estado Allégro que é o combate. Na verdade, o dólmen que sustém todos estes componentes é a excelente construção de cada nível. Está de caras o amor e carinho que foram dados na conceção de cada canto sendo que, na grande eventualidade de um ou outro jogador perder o norte ao seu GPS inato, o mapa disponível, assim como a bússola nada intrusiva na interface gráfica, ajudam e muito esse reencontro.

Ainda com os meus bitaites sobre o mapeamento geral que compõe este Doom Eternal, surpreendido fiquei quando descobri o eixo central que liga o Inferno, o planeta Marte e a Terra. Entre níveis a ação acalma dentro deste núcleo – a base principal apelidada de Fortress of Doom – mas o desenho minucioso transforma este sítio num nível próprio, com os seus segredos a descobrir e melhoramentos a desbloquear. Nada foi deixado ao acaso. Convido-te, leitor, a abrandares o compasso frenético e a perderes uns meros momentos na apreciação de cada estágio.

Outro aspeto que viu maior ênfase na produção foi a narrativa. Sem entrar em detalhes sobre a história que vais desvendar, é claro como água a atenção dada à demanda da nossa personagem principal. Através de muita leitura opcional e algumas cinemáticas, a aventura de que faço parte ganha contorno e contexto, assim como a história do titular Doom Slayer. Quem terminou o Doom de 2016 pode confirmar as minhas palavras e suspeitas, mas é facto que a sequela colocou este elemento um patamar acima do que era expectável.

Ainda assim, no final do dia, o que realmente vendeu a experiência foi toda a jogabilidade inerente ao combate. É garantido que a banda-sonora, composta pelo majestoso Mick Gordon, forma um pilar essencial para o desenrolar da carnificina, mas nada chega perto do quão prazerosas são as lutas contra os subalternos do Inferno. Ao longo do decorrer da aventura, o nosso Doom Slayer vai evoluindo de várias formas: novas armas, modificações às novas armas, melhorias na armadura, entre tantos outros sistemas que chegam, nível após nível, para presentear-nos com algo novo e entusiasmante. É tipo Natal, mas com mais blasfémia e menos Jesus; ou Pai Natal.

A cadência da introdução destes sistemas é constante e nunca desconcertante; há sempre uma arma nova para experimentar, uma melhoria na armadura que altera o efeito de uma das granadas ou um simples aumento da força vital. Doom Eternal raramente é aborrecido, muito menos nos últimos estágios onde reina uma permanente desorganização caótica que conjuga todos estes sistemas ao mesmo tempo. Por exemplo: a meio do combate terminam as balas de qualquer arma, utilizas a Chainsaw num demónio para apanhar mais munições. Verificas que tens pouca armadura, então utilizas o lança-chamas portátil para incendiar um inimigo e, se o matares a tempo, recuperas pontos percentuais de armadura, e por aí adiante. É um sistema estupidamente bem engendrado e construído que te obriga, no meio de toda a confusão, a tomar decisões rápidas e de última hora; quase instintivas por natureza, de forma a conseguir lutar por fôlego e preparar a próxima luta.


CONCLUSÃO

Rasgar a dobrar com sessenta fotogramas e com tempos de carregamento abaixo dos seis segundos, Doom Eternal é uma experiência intensa e frenética do início ao fim na Xbox Series S. Tudo o que de bom acompanhou Doom de 2016 encontra-se aperfeiçoado nesta sequela, desde o mapeamento dos níveis até ao combate explosivo, coordenado e sangrento. A banda-sonora continua com o selo de qualidade de Mick Gordon e a narrativa foi melhorada em vários aspetos, seja por cinemáticas ou colecionáveis. Por hábito costuma-se dizer que nem Deus agradou a todos, mas é difícil dizer o mesmo de Doom Eternal.


CLASSIFICAÇÃO

Numa escala de 1 a 10, Doom Eternal é Vorazmente Recomendado.


FICHA TÉCNICA

Capturas de Ecrã: Xbox.com

Código do jogo: Através do Xbox Game Pass.

Outros: Joguei maioritariamente a campanha single-player, o foco da análise, mas também experimentei o multijogador online e foi engraçado.